domingo, 11 de setembro de 2011

Aconselhamento Genético


O Aconselhamento genético (AG) é um processo de comunicação que lida com problemas humanos associados com a ocorrência ou risco de recorrência de uma doença genética em uma família, envolvendo a participação de um ou mais indivíduos treinados para ajudar o paciente e/ou sua família a:
1. Compreender os fatos médicos, incluindo o diagnóstico, provável curso da doença e as condutas disponíveis;
2. Apreciar o modo como a hereditariedade contribui para a doença;
3. Entender as alternativas para lidar com o risco de recorrência e a prevenção da doença;
4. Escolher o curso de ação que pareça apropriado, respeitando as características socioculturais, religiosas e éticas;
5. Ajustar-se da melhor maneira possível à situação imposta pela doença, incluindo a reabilitação.
A realização do AG atualmente exige do geneticista o conhecimento não só da genética, mas também de outras especialidades como bioquímica, radiologia, psicologia, biologia molecular e outras.
O AG é um processo complexo no qual devem ser envolvidos profissionais da área de saúde, treinados e habilitados, sejam médicos ou não.
No século passado a genética clínica era uma especialidade realizada por um único profissional. No entanto, o crescimento da especialidade exige atualmente uma abordagem multi e interdisciplinar para contemplar, da melhor maneira possível, as questões da genética clínica, psicologia, terapia ocupacional, fisioterapia, odontologia, nutrição e outras especialidades afins.
O geneticista clínico deve manter sua competência profissional através de um aprendizado contínuo, a fim de se manter informado sobre os novos conhecimentos no campo da genética.
Por que indicar o aconselhamento genético?

Quando nós somos acometidos por uma doença cujo diagnóstico não foi elucidado, muitas vezes o que nos aflige não são os sintomas da doença, mas a incapacidade dos médicos em explicar qual é a doença e os aspectos médicos pertinentes a essa doença como exames necessários, tratamento, prognóstico etc.
Qual o médico, por mais inexperiente, que seja, nunca se deparou em sua prática clínica com um paciente com doença genética?
Todos os anos milhões de famílias em todo o mundo são surpreendidas pelo nascimento de uma criança com defeito congênito. Dos recém-nascidos, 0,7% tem anomalias cromossômicas, 0,5% a 1% tem anomalias decorrentes de doenças monogênicas e 2% têm anomalias congênitas por outras causas relacionadas com fatores hereditários. É estimado que cerca de um terço de todas as crianças internadas em hospitais pediátricos tem sido tratado por doenças que envolvem um componente genético. Grande parte dos abortos decorrem de anomalias cromossômicas, bem como alguns casos de infertilidade e esterilidade. Além disso, a maior parte das doenças da vida adulta são de herança multifatorial, como câncer, diabetes mellitus, hipertensão arterial, doenças psiquiátricas.
O AG estabelece a possibilidade do indivíduo portador de uma doença genética e sua família obter (em) informações sobre sua condição e amplia a perspectiva da realização da prevenção e do tratamento em questão.
Quem deve receber aconselhamento genético?

· Portadores de doenças com herança familial e os familiares destes pacientes.
· Indivíduos que tiveram perdas fetais (aborto, natimorto).
· Indivíduos com defeitos congênitos.
· Diagnóstico de anomalia fetal no pré-natal.
· Retardo mental inexplicável.
· Idade materna avançada (>35 anos).
· Idade paterna avançada (>60 anos).
· Acasalamento consangüíneo.
· Exposição a agentes teratogênicos no pré-natal.
· Infertilidade/esterilidade.
· Câncer hereditário ou predisposição familiar ao câncer.
· Indivíduos com teste preditivo ou triagem genética alterada.
· Grupos étnicos com predisposição para desenvolver doenças genéticas.

Confirmar, diagnosticar ou descartar uma condição genética. Para a realização do diagnóstico os principais passos são:
· Histórico clínico;
· Histórico familiar;
· Exame físico;
· Exames complementares.
O histórico clínico deve ser o mais detalhado possível, incluindo:
· Aspectos do pré-natal como infecções, uso de drogas, febre, ameaça de aborto, início dos movimentos fetais e suas características, anormalidades detectadas com exames como triagem pré-natal para síndrome de. Down, ultra-sonografia, oligoâmnio, polidrâmnio, sangramento transvaginal;
· Aspectos do parto, (cesáreo, parto normal), apresentação (cefálica, pélvica, transversa), Apgar, idade gestacional, peso, estatura e perímetro craniano ao nascimento, idade gestacional;
· Problemas apresentados no período neonatal como acidose metabólica, hipoglicemia, icterícia prolongada, anormalidades no screening neonatal (teste do pezinho), anormalidades do desenvolvimento neuropsicomotor, dificuldades para alimentar o recém-nascido;
· História da doença atual, incluindo as razões para a consulta, conhecimento básico da doença em questão e significado do diagnóstico.
A história familiar inclui a realização do heredograma, relacionando os indivíduos da família que têm quadro clínico semelhante e que apresentam outras doenças diferentes da doença relacionada no AG, caracterizando o grau de parentesco sob a forma de desenho.
Através do heredograma pode ser definido o modo de transmissão das doenças, sendo extremamente importante para os casos com heterogeneidade genética, onde a mesma doença pode ser de herança autossômica dominante, recessiva ou ligada ao X. Além disso, a presença de consangüinidade pode sugerir uma herança autossômica recessiva.
Às vezes é necessário mais de uma consulta para finalizar o heredograma. Pode ser necessário recorrer à entrevista com indivíduos mais idosos da família e obter fotos da infância de indivíduos adultos.
A história familiar pode ser de difícil obtenção se: o afetado for adotado; os pais forem separados e não há contato com familiares, houver óbito de indivíduos da família cuja causa da morte permanece obscura; os parentes se recusarem a fornecer informações, na maioria das vezes temendo a culpa tipo "vem da minha família? De quem é a culpa?".
A origem racial da família pode ser importante, pois algumas doenças têm maior freqüência em alguns grupos populacionais (Tabela 1).
O exame físico deve ser o mais detalhado possível, tendo-se em mente que na maioria das síndromes a doença é definida por um conjunto de sinais e raramente há um sinal patognomônico.
O examinador deve saber identificar as variações do exame normal. A pergunta freqüentemente realizada "Meu filho é normal?" nem sempre pode ser respondida claramente na primeira consulta.



Os sinais que indicam a necessidade de investigação genética podem ser sutis e são comumente encontrados em várias síndromes, por exemplo: implantação baixa de cabelos, hipertelorismo, fossetas e apêndices pré-auriculares, implantação baixa de orelhas, palato ogival, micrognatia, hipoplasia de unhas. As anomalias consideradas menores podem fazer parte de uma síndrome ou apresentar-se de forma isolada. Se um paciente tem mais de três anomalias menores (não interferem na viabilidade do indivíduo), há uma chance de 90% de ser encontrada uma anomalia maior, fazendo parte de uma doença genética.
Anomalias maiores são aquelas que apresentam conseqüências para a vida, enquanto as menores têm implicações cosméticas (Tabela 2).
A mensuração dos parâmetros físicos é extremamente importante, pois as medidas podem ser determinadas e classificadas em tabelas próprias para estatura, peso, perímetro craniano, distância interpupilar, intercantal interna e externa dos olhos, tamanho da orelha, distância nasolabial, tamanho das mãos, distância intermamilar, tamanho dos membros.
O exame físico propriamente dito obedece aos princípios da semiologia médica, incluindo a inspeção, palpação e ausculta. Em algumas doenças genéticas o paciente tem uma fácies típica como na síndrome de Down, uma postura característica como levantar do chão, escalando o corpo na distrofia muscular de Duchenne, ou um odor característico como o cheiro do suor e da urina (ninho de rato) nos pacientes com fenilcetonúria não tratada.
Várias alterações que são sugestivas de doença genética podem ser observadas ao exame físico (Tabela 3).
Os exames laboratoriais são complementares ao diagnóstico e devem ser realizados após a suspeita clínica da doença. Não há um único exame que dê garantias ao indivíduo da ausência de todas as doenças genéticas.





Os exames radiológicos são de máxima importância na suspeita de displasias esqueléticas, tornando-se impossível a classificação da doença sem o exame radiológico.
Nos casos de suspeita de erros inatos do metabolismo as provas bioquímicas, os ensaios enzimáticos, as dosagens de PH e gases sangüíneos são necessários.
Outros exames próprios da genética, como o estudo citogenético, podem elucidar o diagnóstico. Os testes de biologia molecular cada vez mais tem sido incorporados à prática clínica. Tais exames podem ser realizados a partir de leucócitos, aspirado de medula óssea, fibroblastos, amniócitos, vilosidade coriônica.
Os testes de triagem populacional têm selecionado indivíduos em maior risco para doenças genéticas no período pré-natal e neonatal, bem como os portadores sadios com risco de apresentar a prole afetada por uma doença genética.
Os testes preditivos determinam a probabilidade de um indivíduo são apresentar no futuro uma doença genética e têm sido realizados em vários indivíduos em todas as raças, mas devem ser avaliados com cautela, após um consentimento anterior informado e obedecendo os preceitos éticos.

Depois do diagnóstico a próxima etapa do AG é a compreensão dos aspectos genéticos básicos da doença e a determinação do risco de recorrência.
Os padrões de herança mendeliana são utilizados para determinar o risco de recorrência. No caso de herança autossômica recessiva, o risco de recorrência é 25%. Se a herança for autossômica dominante, o risco de recorrência é 50%. Se a herança for recessiva ligada ao X, há o predomínio de homens afetados e as mulheres podem ser portadoras sadias ou com manifestações sutis da doença. O risco de recorrência é 25% para filhos do sexo masculino. A probabilidade dos filhos serem heterozigotos portadores é 50%. Nos casos de herança dominante ligada ao X os homens e as mulheres filhos de uma mulher afetada têm 50% de chance de serem afetados. As filhas do indivíduo afetado são afetadas e os filhos não são, pois recebem o cromossomo Y do pai.
As doenças causadas por anomalias estruturais dos cromossomos têm risco entre 10% e 100%, caso um dos progenitores tenha uma translocação balanceada. Quando os pais tiverem cariótipo normal o risco de recorrência geralmente será menor do que 2%. Nas heranças multifatoriais (Tabela 4) os riscos são empíricos(11).
No caso de anomalias congênitas devido a teratógenos, a ausência de nova exposição torna o risco de recorrência desprezível.
A determinação do risco de recorrência nem sempre é simples, podendo ser dificultada pela penetrância incompleta, expressividade variável, idade tardia da manifestação e heterogeneidade genética.

Quais são os outros passos do aconselhamento genético?

Os próximos passos se relacionam ao prognóstico, tratamento disponível, prevenção e diagnóstico pré-natal, que dependem do diagnóstico da doença genética.



Diagnóstico pré-natal
O diagnóstico pré-natal pode ser realizado por técnicas de diagnóstico pré-implantação (diagnóstico de fertilização in vitro e em glóbulo polar), diagnóstico de células fetais circulantes no sangue materno, ultra-sonografia para diagnóstico de anomalias físicas do feto, punção de vilosidades coriônicas, amniocentese, cordocentese.
Atualmente, graças aos avanços no campo da biologia molecular, tem sido possível o diagnóstico de várias doenças monogênicas. O estudo citogenético e os ensaios enzimáticos permitem o diagnóstico da maioria das anomalias cromossômicas e erros inatos de metabolismo no período pré-natal(18).
Bioética
O final da Segunda Guerra Mundial foi um período de
grandes transformações para a prática científica e a medicina.
Ao mesmo tempo em que o conhecimento avançou rapidamente,
as denúncias dos abusos cometidos pelos nazistas nos
campos de concentração abriram o caminho para um amplo
debate sobre a ética na ciência. Foi nesse contexto que surgiu a
eugenia, entendida como a seleção e opressão de pessoas pertencentes
a grupos vulneráveis, como o dos portadores de doenças
genéticas, em virtude de características que, identificadas
nos genótipos, se distanciariam de um ideal de qualidade.
Nessa ocasião, existiam ainda os representantes do movimento
eugenista, que acreditavam ser a biologia um meio
de solucionar problemas de ordem social. Entre eles, os mais
conhecidos eram os médicos e pesquisadores dos campos de
concentração nazistas. No entanto, alguns ideais da eugenia,
como a prevenção de doenças por meio do controle da reprodução,
também foram disseminados em outros países, como
os Estados Unidos.
O aconselhamento genético surgiu,
portanto, com um triplo desafio: 1. afastar as suspeitas deixadas
pelo movimento eugênico; 2. demonstrar ser uma nova
estratégia educativa de diálogo entre ciência e sociedade; 3.
assegurar que sua inserção profissional respeitava e promovia
os direitos fundamentais das pessoas em teste. Foi nesse cenário
de desafios que o princípio da neutralidade moral emergiu
como o fundamento ético da atuação profissional de um aconselhador
genético.
Segundo o princípio da neutralidade moral, os profissionais
do aconselhamento genético devem fornecer a informação
genética isenta de valores pessoais ou julgamentos que possam
alterar ou direcionar sua compreensão. O reconhecimento
da soberania da neutralidade moral do aconselhador em face
da informação genética foi uma estratégia de redefinição do
campo: o aconselhamento genético não é mais um instrumento
de higiene social servindo a ideais eugênicos, mas uma peça
educativa fundamental à promoção da saúde pública e dos direitos
humanos. Uma vez acordado o compromisso moral em
torno da neutralidade, o passo seguinte foi institucionalizar
esses valores no processo de formação de jovens aconselhadores.
Como era de se esperar, pôr o princípio da neutralidade
moral em prática mostrou-se desafiante e, ainda hoje, é objeto
de intensas controvérsias argumentativas.


O primeiro desafio é da ordem da aplicação do princípio
à relação aconselhador-paciente: como é possível ser neutro
sobre algo que se valora como importante? O aconselhamento
genético fundamenta suas ações educativas no pressuposto de
que a informação genética é um elemento central às decisões
relativas ao bem-estar individual, familiar e social. Há, inclusive,
uma resistência no campo sobre o direito individual de
desconhecer informações genéticas com impacto para a saúde
e o bem-estar. Contudo, a suposição de que as informações
fornecidas durante uma sessão de aconselhamento genético
são sempre bem-vindas e necessárias ao bem-estar do indivíduo
é “uma atitude inquestionável e dogmática que defende
a idéia de que dar informação é sempre o correto, demonstra
uma negligência implícita ao fato de como esta posição é carregada
de valores” . O fato é que não há uma única
resposta para o imenso leque de situações lançadas pela informação
genética: em alguns casos, essa informação antecipa
decisões médicas e terapêuticas com acréscimo significativo
de bem-estar, ao passo que, em outros, ela é apenas fonte de
angústia e antecipação de luto.

Qual é o papel do clínico no AG?

O clínico geral, incluindo o pediatra, tem papel vital no suporte continuado de famílias com membros portadores de doenças genéticas. As estratégias de apoio incluem o encaminhamento da família para a consulta com o geneticista, o relatório com informação por escrito sobre a doença e as visitas para discussão quanto à assimilação dos aspectos da doença, sentimentos e pensamentos.

A importância dos grupos de apoio em ajudar famílias nas quais há um membro com doença genética está tornando-se cada vez mais óbvia. Estes grupos de voluntários dão à família a sensação de que não são os únicos nesta situação, sensação que o profissional de saúde não pode dar. Estes grupos não só fornecem um serviço, mas também distribuem informação sobre a doença, realizam estudos de pesquisas, encontros de portadores de doenças genéticas, estabelecendo uma importante parceria com médicos e outros profissionais de saúde. O encaminhamento das famílias para esses grupos pode ajudar muito a família a se adaptar à nova situação.
E quando não há geneticista?

É importante que o profissional de saúde tenha em mente que o AG não envolve conhecimentos inacessíveis e pode ser realizado onde não há geneticista(12). E como? Utilizando a tecnologia atual, é possível realizar um ato cirúrgico à distância. E por que não um AG?
Quando não há geneticista, outro profissional de saúde deve receber as informações necessárias para realizar o AG. Para isso deve ser realizada uma anamnese minunciosa, um exame clínico detalhado, fotos de corpo inteiro e da região afetada, no caso de anomalias físicas, estudo anatomopatológico, no caso de óbito, raios X de esqueleto nos casos de suspeita de displasia esquelética, relatório com resultado de outros exames que tenham sido realizados e estudo citogenético nos casos de suspeita de anomalia cromossômica, e/ou molecular (teste de DNA). Para o estudo citogenético pode ser colhido 5 ml de sangue em seringa heparinizada e encaminhar para um laboratório especializado. No caso de exame de DNA, pode ser colhido 5 ml de sangue e conservado em tubo com EDTA para ser encaminhado a um laboratório especializado.

Com as descobertas futuras decorrentes do Projeto Genoma Humano, a aplicação do AG deve ser expandida e as técnicas de biologia molecular para a realização do diagnóstico devem ser incorporadas à rotina com maior freqüência. O consultor genético deve ser um indivíduo de bom caráter e bom senso para enfrentar os problemas éticos que virão com o aparecimento de vários tipos de exames laboratoriais, além do que, deve ser sensível e solidário aos problemas de seus pacientes.



Fonte:

Guedes, C., & Diniz, D. (-- de Abril/Junho de 2009). Scielo. Acesso em 02 de Setembro de 2011, disponível em Scielo: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-55022009000200012

Marques Ribeiro, Erlane (-----). Moreira JR. Acesso em 04 de Setembro de 2011, disponível em Moreira JR Editora: http://www.moreirajr.com.br/revistas.asp?fase=r003&id_materia=1558

Baker DL et al. – Genetic Counseling, New York, Wiley-Liss Pub., 1998, pp.5. Opitz JM – Tópicos Recentes de Genética Clínica. São Paulo, SBG, 1983, pp.216-231




Por: grupo 5





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